Filho ideal x filho real

Sara é casada com Brian e tem dois filhos: Kate e Jesse. Aos dois anos, Kate é diagnosticada com leucemia e, a partir de então, sua mãe dedica a vida a salvá-la. Recorre até à fertilização assistida para dar à luz um filho que possa doar-lhe sangue, líquido de medula e órgãos.

É assim que nasce Anna, a caçula, que passa sua vida em hospitais ao lado de Kate, pelo menos até os 11 anos. Na entrada da adolescência, decide ter o controle sobre seu corpo e recorre a um advogado para obter o que chama de emancipação médica em relação a seus pais. Passa, assim, a travar uma batalha contra sua mãe. Essa é a trama central do filme “Prova de Amor”, em cartaz nos cinemas.

Esse filme pode ser visto de formas diferentes. Podemos ver, por exemplo, em meio aos inúmeros dramas familiares, o acontecimento de uma tragédia que transforma a vida de todos os envolvidos e do grupo. Mas também é possível vê-lo como uma narrativa que conta parte da história de todos nós.

Quando uma mulher engravida, gera dentro de si um filho que, no entanto, já é gerado há muito mais tempo em sua imaginação. Assim que o filho real nasce, mãe e pai passam a travar uma dura batalha entre seus dois filhos: o real e o ideal.

Tal batalha é cotidiana porque é preciso renunciar ao filho ideal para que possam exercer o papel de mãe e de pai do filho que nasceu. Nem sempre é possível perceber o quanto a imagem acalentada do filho ideal impede que os pais enxerguem o filho real com suas características e dificuldades, seus limites e suas potencialidades, suas demandas e necessidades, mas isso acontece muito.

Sara não consegue ouvir Kate porque está totalmente empenhada em fazer com que a filha que tem sobreviva à doença, mas Kate não é essa filha. Sara não consegue conviver com o problema que Jesse apresenta na escola, por isso o envia por um ano para uma escola especializada para que lá encontrem uma solução. Sara não percebe que exige demais de Anna. Sara nem sequer percebe a relação intensamente fraterna que há entre os três irmãos, tão mergulhada que está em si mesma.

Brian, por sua vez, é capaz de, muitas vezes, ver e ouvir cada um de seus filhos. Ele poderia intervir para colocar sua mulher em seu lugar para ceder espaço às vidas das crianças, mas escolhe se omitir perante a força de luta da mulher para evitar conflitos, para tentar manter sua família “equilibrada”. Mas tudo o que consegue é se ausentar de seu papel de pai.

Há muito de Sara, por exemplo, nas mães que não aceitam que seus filhos tirem nota baixa na escola e que, para evitar isso, recorrem a toda sorte de estratégias -de contratar especialistas a estudar e fazer os deveres diariamente com o filho. Há muito de Brian nos pais que justificam a forte presença da mãe na vida dos filhos como impedimento para o exercício responsável da paternidade.

Temos pressionado em demasia nossas crianças e nossos jovens e ouvido e olhado pouco para eles. Precisamos inverter essa equação para que possamos nos tornar pais e mães melhores do que temos sido.

Por Rosely Sayão em http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br